Mística e Espiritualidade

















Pensar excessivamente no mundo exterior é alienação. De igual modo isso se aplica ao fechamento na interioridade. Essas duas expressões constituem fugas que não nos confrontam com a verdadeira existência. Esses dois mundos não têm finalidades em si, são meios que se encontram e passam. É na contemplação que transvermos nossos excessos, pois nos afastamos desse binômio e nos achegamos ao Necessário. Nele não há excesso, mas plenitude. O convite feito pelo divino mestre a que odiemos o mundo é, antes, um convite a liberdade contemplativa que põe em movimento a fluidez do ser, para além do ser.








SOBRE OS MUNDOS DA MULTIPLICIDADE, DO VAZIO E OS MÍSTICOS

O mundo da multiplicidade, por vezes, é chato e enfadonho. É próprio dele as causas urgentes. (Por isso inventaram Santo Expedito). Escondemo-nos, mesmo, é no mundo do vazio. Ele é o princípio de todas as coisas, é lá onde “a terra era sem forma e vazia”. Essa condição anterior a todas as coisas continua presente no mundo, mas para encontrá-la é preciso, antes, tornar-se unitivo. O mundo do vazio é encontrado nas ausências, ou melhor, ele não pode ser encontrado, uma vez que não ocupa lugar. O mundo do vazio é uno e indivisível. Por isso não se pode estar nele. O estar nele seria um corpo dentro do corpo, um ente dentro do ente, uma alma dentro da alma. No mundo do vazio se é vazio, para além do pleno.

Quando o mundo do vazio escapa e entra no mundo da multiplicidade, o ser humano chora, sente saudade, se alegra e, as vezes, morre. É confortável o mundo da multiplicidade. Mas é irreal. O Real é o mundo do vazio. Ele é o que de mais autêntico possuímos. Não é passivo de falsificação. Só falseamos a multiplicidade, pois se explicamos o vazio, continua sendo coisa alguma. Não podemos colocar máscara, pois não há face; não nomeamos para chama-lo, o nome delimita e recorta. Se explico o vazio, minha explicação é falsa. Mas o vazio é. Não possuímos o vazio, ele nos toca e atravessa poeticamente. Só a poesia é capaz de lançar fragmentos do vazio em nossa percepção. Não que se fragmente, mas nossa percepção limitada o recebe assim. Pois essa é a ação do vazio em nós.
O vazio continua agindo em nós, como estágio propedêutico, como ensaio teatral. Os místicos são seus principais artistas.
Os místicos encenam o vazio para o mundo múltiplo. Eles são seres voados e doídos. Os místicos não encenam, se assim o fizesse seria máscara. São apenas seres doídos, posto que atravessados.

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