Poemas






SOMBRA

Ó sombra, és a íntima parte do meu ser
A real forma, a essência onde tudo encerra
Em ti está contida a não face e os membros ocultos
Tu nasces da luz
És gerada do núcleo da luminosidade
Seus olhos não são penetrados
Carregas no ventre, o abismo
Ó sombra, a luz que atravessa o corpo expulsa para fora
Embora se arraste seguindo os passos da matéria
Não se mancha na poeira que desliza
Dá-me notícias das estradas percorridas
Dos inanimados muros e das águas
Lava-me nos contornos imortais
Pois a luz gera- te eternamente
Ó sombra, és a parte de trás do brilho
O ponto onde descansam os raios
Uma lembrança prisioneira do infinito
Ofereço-te uma prece para que obscureça
O ilusório todo luminoso do meu ser
Vem! Margeia, mas penetra os átomos
Esteja fora, mas ao alcance do corpo
Ó sombra, és plena unidade de corpo e luz.







O POETA E O RIO





O poeta não cobiça o peixe
lança a rede para capturar o rio
e feliz regressa pleno de nadeiras

Na tristeza da margem
o rio atravessa-lhe a nado
e do outro lado, córrego





POETA ENFERMO




Poeta enfermo e febril
Seu corpo trêmulo em descompasso
As pálpebras se comprimem entre gotas
E curvado deita-se em plumagens

Poeta aversa pranto em festa
No ritmo do baile segue em cativeiro
E na fortuna suplica uma canção
Sem lados e ocasos, segue alado
E em seus olhos o sol se põe

Vem, deitar comigo musa! Mas não encoste
Diga seu nome sem palavra
Insinue sua dor pelo canto dos olhos
E se afaste.

Contagia-me com a dormência do seu sono
Acorda-me para a súplica do sonho
E amplia de miragem a linha tênue que laça

Apatia-me com peso da pétala
E vacila a extremidade do amanhã
Que o poeta enfermo contagie
De candura e esplendor o corpo frio
Da dor que lhe toca e devora
A carne que arde em espera
Da palavra que não chega e encoberta
Sem bálsamo acamado de alegria




A ARTE DO SOL




A nuvem atravessou-me
Era fim de tarde


Nos fins de tardes as nuvens são pintadas a sol.

Aspiro por coisas pintadas a sol
Árvores e paredes
Lagos e Olhos
Cabelos e asas

Coisas pintas a sol não têm substâncias
Não podem ser tocadas
Decifradas e nomeadas
Coisas pintadas a sol têm músicas e intervalos

O pássaro que voa ao sol, dança
A fachada de uma casinha esquecida, sorrir
A rua em que crianças brincam, salta

Quando sol se vai, fica.
Pintou os olhos
A saudade
A lembrança

O humano é pintado a sol
O cão que dorme é gota de tinta derramada
As aves que prendem aos galhos
A parte interna do mundo
O interior da pedra
E o avesso dos objetos

A semente escondida
A copa do arbusto que acena ao dourado
A oculta raiz que re-colhe o amarelo
As gotas da chuva se formam em vai e vem do pincel
A brisa que é o sopro do sol sobre a tinta

Tudo é pintado a sol
O azul, o desbotado e o pálido

Na aurora ele inicia sua obra
E expõe, em crepúsculo, sua tela
Coisas pintadas a sol são perecíveis
São verdadeiras por serem pinturas